Por Pedro Cabral
Fotos: Arquivo Pessoal
O Dia Internacional da Mulher foi ontem, mas a história – justamente por ser história – não é história enquanto ainda está no presente, certo? Hoje vamos conhecer a história da professora – de história – Nelcy Rosa, uma mulher entre outras tantas que teve seu dia comemorado ontem, tudo através de fotos que nos mostram como esta mulher se modificou com o tempo, vamos lá?
Nascida em 60
Esta é Rosa ainda bebê, na fazenda onde nasceu, no interior goiano. Ela nasceu no final da década de 60 – mais precisamente em 1969. A caçula de oito irmãos, filha de pais agricultores – a mãe analfabeta e o pai com pouco estudo. Uma família que sempre foi bem, obrigado, mas se não fosse tão bem assim, a mãe de Rosa poderia se amparar em uma lei aprovada bem nesta década no Brasil. Em 1962, foi sancionado o Estatuto da Mulher casada, que garantiu entre outras coisas que a mulher não precisava mais de autorização do marido para trabalhar, receber herança e em caso de separação ela poderia requerer a guarda dos filhos. É, mulher casada antes disso não era outra coisa além de... casada.
Ainda bem que a Rosa já nasceu nos anos 60, depois que a igualdade de direitos entre homens e mulheres é reconhecida em documento internacional, através da Carta das Nações Unidas em 1945, se não, Rosa já nasceria considerada inferior até mesmo aos seus irmãos meninos. Com seis aninhos de idade, Rosa participava do Ano Internacional da Mulher proclamado pela ONU, em 1975. Parece que as coisas começavam a melhorar...
Ela estudou...
A mãe de Rosa sabia que sua filha iria pra frente, era dedicada, diferente, de um novo tempo e não hesitou ao conversar com seu esposo para mudarem para a cidade, afinal, Rosa queria estudar - mesmo que as outras 4 irmãs não quisessem ou não se interessassem por conta da sociedade em que viviam. E assim foi, vieram pra cidade.
Quanto a educação, a luta feminina não se deu por leis ou por quaisquer outros métodos além da luta na sociedade. Hoje, é bem comum que uma garotinha estude – até por que as leis determinam que toda criança deve estudar, que uma jovem faça faculdade ou que uma mulher em qualquer fase da vida conclua o ensino superior, mas na cabeça da pessoas do século passado – até das últimas décadas, educação não teria nenhuma utilidade para as mulheres. Por quê? Por que o papel da mulher era se dedicar à lida da casa, aos filhos e ao marido, nada além disso. Ainda bem que Rosa nasceu em uma época que isso não era tão normal, mas ao menos ela não foi julgada quando estudava na década de 80, registrada na foto.
Também na década de 80, surgem os primeiros conselhos estaduais da condição feminina (MG e SP), para traçar políticas públicas para as mulheres. O Ministério da Saúde cria o PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, em resposta à forte mobilização dos movimentos feministas, baseando sua assistência nos princípios da integralidade do corpo, da mente e da sexualidade de cada mulher.
... Casou...
Rosa se casou em 1992 com Pedro Floriano. Bom, o casamento deu certo, mas se não tivesse durado ao menos Rosa teria mais direitos, ou melhor dizendo, direitos iguais ao de Pedro na separação, principalmente se fosse de comunhão total de bens, graças a lei de 1977. Essa lei sobre divórcio seria um avanço da lei de 62, citada no começo do texto, e agora a sociedade já estava preparada para as divorciadas. Mas Rosa, professora já aprovada em concurso público formada pelo magistério – grau de formação da época mais ou menos como os cursos tecnólogos profissionalizantes de agora – casou-se pra valer e para um projeto de vida ainda maior...
... Teve um filho...
Rosa teve um filho com Floriano – inclusive é o acadêmico que vos tecla. Agora que as mulheres já poderiam trabalhar, mais especificamente desde 1962, como conciliar a carreira de trabalho com a gravidez? Eis que outra reivindicação das mulheres é aprovada, a licença maternidade surgiu no Brasil em 1943, com o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. A licença era de 84 dias e tinha que ser paga pelo empregador, o que causava uma restrição considerável para as mulheres no mercado de trabalho. Para garantir esse direito, a Organização Internacional do Trabalho recomendava que os custos da licença maternidade passassem a ser pagos pela Previdência Social. No Brasil, isso aconteceu a partir de 1973.
Mas a mulher gestante não tinha garantia de emprego, e muitos empregadores dispensavam as grávidas, mesmo que a Previdência arcasse com a licença, o que gerou mais lutas dentro e fora dos plenários. Essas lutas foram a semente das leis estabelecidas pela Constituição de 88, que garantiram a estabilidade para todas as empregadas gestantes, além de ampliar o período da licença de 84 para 120 dias. Pronto, Rosa poderia ter seu filho recém-nascido por perto, ao menos por pouco tempo, mas com a garantia de que continuaria empregada. Mas uma hora o filho cresce e Rosa poderia realizar o último sonho.
... E estudou mais!
Esta é uma foto de Rosa em sua formatura em 2005. Sua graduação tornava a professora agora licenciada em História, mesmo que a distância, através de um programa do governo estadual que garantia bolsa integral para a formação de professores. Uma realidade inimaginável no século 18, por exemplo.
Durante anos o direito de cursar o ensino superior foi negado às mulheres, no Brasil, por exemplo, Rita Lobato Velho Lopes foi a primeira mulher a receber um diploma superior e a segunda da América Latina. Ela formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia em 1887.
Ela não ficou na década passada, no século passado, nas mulheres do passado.
“As mulheres ainda têm muito o que conquistar, o respeito é um deles, principalmente no campo profissional, por que tem mulheres que trabalham na mesma área que homens e recebem bem menos; a conquista para ser respeitada no próprio lar, a violência doméstica por exemplo ainda é muito grande; e o machismo mesmo, como falar que toda mulher dirige mal ou criticar os relacionamentos que as mulheres escolhem ter, enquanto que os homens são livres quanto a isso; essa realidade só pode mudar com a luta da mulher na sociedade e a cobrança por maior rigor da lei. O que falta na mulher, em pleno século 21, é o respeito, ainda existe machismo, existe preconceito de gênero, falta representatividade, e acompanhando a história sei que ainda temos muito para conquistar e sempre vamos fazer isso gradativamente!”, declara Nelcy Rosa.
A história de Rosa se compara com a história de muitas outras mulheres brasileiras, ela é um exemplo de como as mulheres tem mudado durante o tempo e de como o tempo tem sido mudado pelas mulheres, dia após dia, por que, para elas, todo dia é dia da mulher, um novo capítulo para novas histórias.